A vida no campo

Viver no campo, em contato direto com a natureza, é um privilégio. Dormir com o  canto dos grilos e sapos, sob a luz dos vaga-lumes, e acordar com galinhas e pássaros cantando é uma experiência maravilhosa, pelo menos para mim. Mas a vida no campo não se resume apenas a isto. Contarei aqui um pouco do tempo que morei nesse lugar. 

Eu nasci em um sítio, numa zona rural de Coqueiros, distrito de Maragogipe, Recôncavo da Bahia, lá passei 19 anos, mas como recordo apenas flash de minha vida antes dos 7 anos, significa que só falarei de 12 anos de experiência da zona rural. 

Vou começar pela comida. Afinal, quem não gosta de comer e comer bem? Quem mora no campo tem uma alimentação bastante saudável. Os alimentos são cultivados sem química e colhidos na hora.

 Nossa família e outros moradores criavam galinhas, porcos e gados e nosso leite era fresquinho. Meu pai que tirava. Só ele sabia os truques para a vaca soltar mais leite. 

Quando morava lá, o sustento da minha família vinha da renda de nossa colheita, que era comercializada na cidade. Vendíamos para comprar o que não era possível plantar ou criar. Plantávamos muitas coisas e de acordo com as estações do ano, como: milho, amendoim, batata doce, inhame, aipim, pimenta, quiabo, jiló, maxixe, repolho, tomate, pimentão, chuchu, alface, coentro, cebolinha, andu, feijão, banana, maracujá, melancia, laranja e praticamente todas as frutas de pés maiores.

Mas, apesar de viver no campo, nem todas as pessoas tinham sítio para o plantio, vivam fazendo "bicos" em fazendas e sítios da redondeza, assim garantiam seu sustento. Cada um se virava como podia. 

A nossa regra do campo é dormir e acordar com as galinhas. Geralmente íamos dormir por volta de 21 horas e às 5 da manhã estava de pé para a lida da roça. É assim que costumamos falar, para se referir à atividade na lavoura. 

Nas comunidades rurais não têm rede de esgoto, e abastecimento de água potável também é bem raro. Onde eu morava hoje já tem água, mas nas circunvizinhas ainda não. A água que tínhamos para beber era improvisada.  Parávamos da chuva que escorria do telhado e caia na bica, indo direto para um reservatório, assim tínhamos água o ano todo.

Os agentes de saúde colocavam “remédio” para conservar a água e afastar mosquito aedes aegypti. Os demais moradores possuíam o mesmo sistema. 

A nossa luz por muito tempo era de aladinho, candeeiro e vela, mas clareava a casa muito bem. Quem tinha TV, usava bateria de carro, a carga durava 8 dias. Havia vendas (pequenos mercadinhos) no distrito de Nagé, comunidade vizinha a Coqueiros, que recarrega a bateria. A carga era feita em 24 horas.

Para não perder nenhuma parte dos programas, muita gente tinha duas baterias. Ao acabar a carga de uma, trocava pela cheia. Na minha casa era assim e minha mãe controlava o tempo de assistir para não acabar antes dos 8 dias.

 Geladeira era algo bem raro, só quem tinha uma condição financeira melhorzinha possuía uma a gás. Os demais improvisavam para beber água fria, usava talha, filtro e moringa, tudo feito de cerâmica, material fundamental para esfriá-la. Na minha casa a energia chegou em 2004, mas hoje, praticamente, todas as zonas rurais possuem energia elétrica e sinal de Internet. Telefone ainda tem área que não pega sinal. 

Quem tem sorte de ter um rio próximo de casa é algo perfeito. Eu e minha mãe íamos todo sábado de manhã lavar roupas no rio do Sinunga em época de verão. A maior parte das pessoas fazia o mesmo processo para levar as roupas. No inverno, os poços, que chamávamos de fontes, ficavam cheios com as chuvas e não precisava ir ao rio. 

Como você deve ter percebido, o verão e o inverno alteravam nossa rotina. No verão tínhamos que pegar água em outros locais que tinham poços com minadouros. A água era utilizada para todas as atividades doméstica, menos para beber porque tinha no reservatório. Também era uma época difícil para as plantações, que não sobrevivia à seca. No inverno, a situação era o inverso. 

A água, sem dúvidas, era e é o maior problema no campo em tempos de verão, mas isso não é a realidade de todas as zonas rurais. Falo especificamente de uma região em que a terra é mais seca, devido à grande quantidade de calcário. 

Viver no campo não é só respeitar ar puro não. Também tem suas travessuras. Sempre havia umas fazendas grandes cheias de frutas e nenhum dono para usufruir. Então, a molecada se aventurava entre cerca de arame farpado e bois para pegar manga, goiaba, jenipapo e jaca nesses lugares. Uns tinham sorte e conseguiam fugir dos animais sem se ferir no arame. Outros se davam mal. Eu tenho várias lembranças dessa época, mas não é na memória, estão tatuadas nas pernas e braços. 

Então, é isso. Viver no campo é divertido e muito saudável. A mãe natureza nos dá muito aprendizado que serve para toda a vida. Não digo que é tudo perfeição, mas quem vive no campo sabe lidar com todas as dificuldades climáticas e outras extras que aparecerem. 

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