A alma penada da igreja velha

Era uma cena que ninguém desejaria ver e Carlinhos jamais pensou em estar naquele lugar e ouvir tudo aquilo. Foi horrível. Ainda bem que sua presença não foi notada. 

Ouvia-se muitos sussurros ecoados dentro de uma igreja velha, ao redor de uma ilha, na comunidade de Coqueiros, em Maragogipe. O som foi ficando cada vez mais forte, Carlinhos se aproximou mais um pouco e passou a ouvir risos. Ele se desesperou.

 Aquele lugar era bem deserto, pouco visitado, como poderia ter alguém ali dentro e ainda feliz? Carlinhos não parava de pensar nisso.

Mas por que eu vim parar aqui? O que está acontecendo? Não quero ficar aqui. O que eu faço agora? Não posso gritar, essa coisa vai me descobrir aqui. Mas por que ela está rindo? - se questiona, Carlinhos. 

Carlinhos estava ali por acaso, não tinha notado que se distanciou tanto de sua casa. Sua pipa soltou de suas mãos e, sem saber ao certo onde caiu, ele saiu a procurar. Tudo que ele queria era sair dali o mais rápido possível. 

O pobre garoto, magro e meio amarelado por conta da anemia que carregava, era filho único. Ele ficava a maior parte do tempo na casa de sua vó Santinha. E ela adorava contar histórias para ele. Samara também amava as histórias de dona Santinha. 

Samara e Carlinhos eram uma grande dupla. Estavam juntos o tempo todo, pra lá e pra cá. Ela era dois anos mais velha do que o menino, tinha 12 anos. Filha do meio da madrinha de Carlinhos. Mas desta vez, Samara não estava lá para ajudá-lo. 

Carlinhos ficou de estátua, sem saber como ir embora dali. Ele não conseguia mover as pernas, estavam congeladas e paralisadas pelo medo. E não era pra menos. O eco dos risos o apavora, mas não foi só isso que o atormenta. Ele acabara de lembrar de uma das histórias de dona Santinha sobre aquela igreja. 

 – Olha, Carlinhos e minha doce Samara, vocês não devem passar perto daquela igreja velha. Muito menos entrar lá. - alerta dona Santinha. 

 –  Mas por que, vó? Ela parece ser tão inofensiva. - pergunta Carlinhos. 

 – Vocês querem mesmo saber? 

Mas é claro dona Santinha. A senhora sabe que nós somos curiosos. Se a senhora contar o motivo de não ir lá, a gente promete não ir. Não é Carlinhos? - diz Samara. 

Mas é claro que sim. Nem morto eu vou lá.

A promessa não foi vista com muita sinceridade por dona Santinha, mas ela deu um voto de confiança aos garotos. 

Uma vez, os pais de vocês ainda não eram nascidos, aconteceu uma coisa muito terrível. Dizem que teve uma missa festiva lá e tinha um soldado no meio. Acho que ele tinha um grande inimigo e esse inimigo o seguia escondido. 

Conta isso direito, vó. - fala o garoto. 

Eu não sei os detalhes, Carlinhos, só sei que rolou uma briga feia lá e o tal soldado foi morto. Quem o matou eu não sei, só sei que o soldado virou uma alma penada e ronda a igreja, tentando cobrar vingança de sua morte em quem encontrar por lá. 

Nossa, dona Santinha, Deus nos livre. Não se preocupe que nunquinha iremos naquelas bandas. - garante a menina. 

Carlinhos lembrou muito bem dessa promessa e principalmente do soldado vingativo. De repente, os risos se cessaram e algumas palavras pareciam ser pronunciadas pela criatura misteriosa. Era tudo meio nebuloso, mas ele tinha certeza que ouvira seu nome. Foi aí que o seu coraçãozinho ficou prestes a sair pela boca. Se pelo menos Samara tivesse ali, teria uma solução genial, como sempre costuma fazer.

Ai, meu Deus, por que esse soldado quer logo eu, que nunca fiz mal a ninguém? Nem conheci ele. - diz o menino apavorado. 

O pobre garoto não sabia o que fazer, não parava de chorar. 

Carlinhos, Carlinhos. Oh, menino, vem aqui. Quero ser seu amiguinho. Prometo que não vou te machucar. Chega aqui na porta, vem logo. Não posso demorar aqui. - fala a voz misteriosa. 

Esse soldado falou comigo? Eu ouvi bem? Mas… mas agora ele vai me pegar. Eu vou ter que gritar, não tem jeito. Alguém precisa me salvar dessa alma penada. 

A voz o chamava cada vez mais alto. 

–  Carlinhos, vem aqui, vem. 

Subitamente, Carlinhos toma coragem e decide encarar o ser misterioso. Com um olhar feroz, pegou um pedaço de galho de madeira seca, que encontrou no meio daquele arbusto e árvores gigantes, e foi até à igreja. 

Carlinhos, hahahaha. Você precisa ver a sua cara agora. Eu te enganei direitinho. Eu sou uma gênia, não sou? Seja sincero. - pergunta Samara aos risos. 

Mas Samara, o que você está fazendo aqui? A vó disse pra você não entrar aqui. Eu não estava assustado, sabia que era você. Você também precisa ver sua cara achando que me assustou, hahahaha. - diz Carlinhos com raiva da pegadinha, mas aliviado por não ser o soldado. 

Samara não acreditou na história de Carlinhos, ela estava bem convicta de que o enganou, mas ele não estava nem aí, queria mesmo era dar o troco do susto na primeira oportunidade.

Ao saírem da igreja, Carlinhos encontrou sua pipa. Felizes pela travessura, os dois combinaram não contar nada do ocorrido para a vó, não seria nada bom para nenhum dos dois. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As baleias viraram pedras?

Andu e mangalô, sabores mágicos nordestinos

Feira livre de Maragogipe