São João das antigas e por que não o de hoje também?!

        As festas juninas são bem animadas no nordeste brasileiro. São regadas a muita comida, licor, forró, quadrilha, superstições e diferentes brincadeiras. Essas formas de comemoração podem se diferenciar em cada ponto do nordeste. 
     Vou contar como era e é o São João aqui no Recôncavo da Bahia. Digo São João porque costumamos chamar as festas juninas assim, colocando Santo Antônio e São Pedro em um mesmo pacote. Ah, e sobre esse "era e é", que falei há pouco, é porque muita coisa foi abandonada no decorrer do tempo. 
      Então, começarei a história pelo São João na escola que, na verdade, marcou minha infância e adolescência. A professora dividia a sala em equipes: a de pegar palha de licurí na mata, a de fazer flores com papel crepom, balões e bandeirolas, e a equipe de decoração. Todo mundo tinha que levar um prato típico do São João para o dia da festa. Os pratos eram laranja descascada e em banda; amendoim cozido; bolos de tapioca, de carimã e de milho; amendoim cozido; milho cozido e assado; canjica; pamonha; pipoca doce; e cana. A bebida não era típica, levávamos refrigerante mesmo. Mas, claro que nas turmas mais velhas com alunos de 16 anos por aí, sempre tinha um gaiato que levava licor escondido e repartia com os colegas fora da sala. Eu não tomava, nunca fui fã de licor.
       Com a sala pronta, decorada e mesa farta, era hora de começar a festa. Ao som de muito forró, brincávamos de várias coisas. Tinha uma brincadeira de morder uma maçã. Essa era bem engraçada. A maçã ficava amarrada em uma corda pendurada em algum lugar do teto e a pessoa tinha que mordê-lá sem usar as mãos. Era difícil conseguir a mordida porque a maçã se movimentava bastante. Tinha muito risos de toda a sala, uma diversão única. Havia outras brincadeiras, mas eu não me recordo bem agora como eram. 
       Depois de brincar, a festa finalizava com a quadrilha junina. Entre o intervalo de cada brincadeira comíamos alguma coisa da mesa. Alguns colegas iam caracterizados de caipira, eu não adotei isso não. Tempo muito bom e animado. Hoje a comemoração nas escolas é apenas com alguns desses pratos e sem brincadeiras. 

O São João na roça...

       Muitos dizem por aí que o São João bom mesmo é o na roça. E é BOM mesmo. Eu sei porque morei lá. Na minha casa aparecia gente de todo canto. Iam uns convidados de meus irmãos da capital baiana, Salvador, para conhecer essa festa no campo. Esses dormiram lá em casa. Outros eram da vizinhança mesmo, iam beber licor, comer amendoim e milho assado. Quando chegavam, gritavam de longe: "São João passou por aí?". Tinham uns que enchiam a cara e abusavam, ficavam lá procurando gaiatice e meu pai mandava logo vazar, ir embora. 
       Minha mãe fazia vários litros de licor de jenipapo - colhido do próprio quintal -, bolos de aipim, carimã e milho, além do famoso bolo de palha* feito da própria mandioca que nós plantávamos, cozinhava uma panela grande de amendoim também de nosso plantio. Tudo isso era para oferecer a esses "convidados". 
        A fogueira era armada pelo meu pai e meus irmãos. Eles também assavam milho na fogueira. Eu não gostava de assar porque sempre queimava minha mão. Na minha época já não havia mais, só que meus pais contam que na época deles era bem comum pular fogueira. Duas pessoas decidiram se tornar compadres e pulavam fogueiras acesas juntas, dali em diante teriam que ter o respeito e a consideração de compadre. 
       Tinham uns fatos engraçados dessa história que meu pai conta. Algumas pessoas já estavam bêbadas quando decidiam pular fogueira e, quase sempre, caiam dentro da fogueira, se queimavam um pouco. E ainda quando estavam sóbrios não se lembravam do compromisso de compadres. 
       Eu gostava, e não mudei isso, da parte decorativa. Fazia flores de papel e as bandeirolas para enfeitar a casa. Pela roça toda era assim: todo mundo entrava nesse clima de São João, clima junino. Hoje não tem mais essa tradição de "São João passou por aí" e nem se vê mais as casas com as famosas bandeirolas. Fogueira, uma casa ou outra ainda acende. 

O São João na rua...

        Já o São João da rua era mais simples não tinha tanta comida e bebida assim. Afinal sairia muito caro oferecer tanta comida de graça. Na roça fazíamos daquela forma porque era tudo fartura por lá. O forte mesmo do São João da rua eram a festa de palco com várias bandas de forró, muitas até bem famosas no Brasil; e a feira de produtos típicos. Maragogipe e Cachoeira eram destaques nessas duas coisas. A feira do Porto, em Cachoeira, era e é uma das mais famosas na região, vende muita cana, laranja, amendoim e milho. A feira de São Félix era menor e a festa também, o destaque era dado aos artistas locais, mas tudo bem produzido e organizado, sem dever nada aos grandes eventos. É assim até hoje nessas três cidades. Não mudou muita coisa não, continua com as festas de palco e as feiras com produtos típicos. 

O São João atualizado...

        O São João no Recôncavo da Bahia, na atualidade, se resume mais a licor (o consumo hoje é bem maior), bombas (fogos de artifícios) de todos os tipos, inclusive, a tradição de queima de espadas, mesmo proibida pela Justiça, ainda rola solta;  festa de rua e forró modernizado, pouco se ouve daquele forró tradicional. Ainda tem as comidas típicas e as fogueiras, mas nada se compara àquele São João que as pessoas iam de casa em casa e das superstições. Ah, faltou falar das superstições casamenteiras de Santo Antônio. A moça e o moço quando queriam um casamento, era só colocar a imagem de Santo Antônio virada para baixo, ao encontrar o pretendente, tirava o santo do castigo. Havia outras, porém essa é a mais famosa. Até hoje ainda ouço falar que muita gente continua fazendo.
        Embora nesse novo contexto que vivemos, tudo mais modernizado, conectado com o mundo pela internet, ainda nos divertimos muito nas festas juninas e, que para mim, é a melhor época do ano: têm as comidas que eu amo, friozinho de outono e meu aniversário. Nos mudamos para a cidade e minha mãe não faz mais aquelas coisas de antes, só os bolos de aipim e de milho. Não fazemos as bandeirolas, apenas as flores, também não armamos mais a fogueira, porém o milho assado não falta na mesa. A casa continua cheia de "convidados" que vêm com familiares da capital, só que agora o interesse é conhecer o São João da rua. O encontro familiar em alguns anos é mais virtual, nem todos podem estar presentes, reunidos com meus pais. Essa cena é compartilhada com demais moradores da região. E assim curtimos o nosso São João no Recôncavo da Bahia.

Bolo de palha* - é um  bolo feito com massa de carimã, coco, açúcar, sal, manteiga , cravo e canela; assado em palha de bananeira. 

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