Salva pelo Raimundo

      Conheci há pouco tempo um senhor chamado Raimundo, que é um grande contador de causos. Tem causos de todo tipo que você possa imaginar. Jeito simples, bem humorado, com mais de meio século de vida e possuidor de muitas estórias, assim é seu Raimundo da Silva
     Ele é quase meu vizinho, mora num beco antes de minha rua, na cidade de São Félix. Descobri também que ele é um dos amigos de meu pai. Acho que todos de minha rua já o conheciam, com exceção de mim. Na verdade, acredito que já o conhecia de vista, só não me recordava.
    Passei vários dias a procura de alguém que soubesse contar algum causo engraçado. Era muito importante para mim essa difícil tarefa, pois era um trabalho da faculdade. Precisava achar essa pessoa no prazo de oito dias. Sabe Deus que nota teria se não entregasse esse trabalho no dia indicado! Mas por muita sorte, encontrei o seu Raimundo, mais conhecido como Marrom. Não o achei por acaso, foi meu vizinho quem me falou dele.
    Eu fui a procura de seu Marrom e encontrei no caminho da padaria. Em poucos minutos ele me contou dois causos bem engraçados. Segundo ele, todos os seus causos são verdadeiros. Acredita quem quiser!
     Mas realmente pareciam verdadeiros, seu Raimundo colocava tanta emoção e enriquecia de detalhes corporais, que parecia estarmos presenciando o caso real. Confesso que me entusiasmei com seus causos e os adotei como verdadeiros. E sabe la se não são verdadeiros mesmo?
    Missão cumprida! Ganhei meus pontinhos no trabalho e ainda fiquei amiga de seu Raimundo. Não pensem bobagens, foi só amizade mesmo!

    Agora vamos conhecer os causo de seu Raimundo.




 O FACÃO E FOGO


       Um rapaz foi capinar a chácara de um amigo que estava com a vegetação seca. Ele deixou o dono da casa sair e ateou fogo na vegetação e depois colocou a comida no fogo para se alimentar. 

      Neste intervalo ouviu-se um barulho estranho. Ele levantou-se e percebeu que estava pegando fogo na chácara. Procurou algum objeto útil para apagar, e só encontrou um ramo da planta chamada de São Caetano e usou para abafar o fogo, porque preocupado que o fogo se alastrasse. Mas o fogo foi aumentando rapidamente e a planta não conseguiu dar jeito. 
    Ele deixou-a de lado e pegou o facão. Com muita veracidade, tentava dominar o fogo com o facão. E vai fogo, vai facão. E vai fogo, vai facão. No meio deste processo, chega o dono da casa e pergunta;
     - Pra que este facão, homem?
    - Você não sabe? É para criamos um corredor em volta do fogo, impedindo que este se alastre - disse ele.
     Mas a pior tava por vir. O fogo da vegetação ganhou mais um aliado. A panela da comida pegou fogo e as labaredas se alastram pela casa, se encontrado com o fogo da vegetação. E nem o São Caetano e nem o facão conseguiram dar conta de tanto fogaréu.


O HOMEM QUE DEU SANTO


      Um certo homem não tinha família e vendia leite para sobreviver. Um dia ele não teve leite pra vender e ficou com fome.  Então, um amigo disse a ele:

       - Olha rapaz, vai ter um candomblé e dará comida.
       E o homem diz:
       - Ah, então eu irei.
     Chegou ao candomblé, começaram tocar e ele ficou lá sentado. Quando já estava chegando perto de onze horas para onze e meia, o pai-de-santo fala:
       - O pessoal que está de santo vai tomar o mungunzá.
      Ele deu um tempinho e depois caiu de santo, cantando e dançando. E o povo gritou: 
      - Segura o santo gente! Segura o santo gente!
      E ele se jogando para um lado e para o outro, dançando. Quando foi cinco para as doze, ele cantou assim:
      - Ô dona da casa vi o copo alumiar. Ô dona da casa vi o copo alumiar. Ô dona da casa quero beber mungunzá. Ô dona da casa quero beber mungunzá.  Dar mungunzá ao santo, gente!
     O santo tomou a primeira vasilha, a segunda e a terceira, encheu bem a barriga e depois exclamou:
     - É, meu corpo tem que descansar um pouco porque estou com a barriga muito cheia. 
      E foi sentar para descansar. Quando deu doze e meia, ele começou a dançar de novo de santo. Estava dançando quando o pai-de-santo disse: 
- Agora, o pessoal que tomou o mungunzá e deu santo vai pisar na brasa.
E com muita esperteza o homem cantou:
     - Mim dar meu paletô que eu vou dar minha despedida porque não sou fifó pra engolir tanta subida.
     Ele foi andando pra porta da rua, entrou no mato e caiu fora. E a turma gritou:
       - Pega ele, gente! Pega ele!
     O homem foi embora com barriga cheia de mungunzá e deixou todos no candomblé enfurecidos com sua esperteza.


Valdelice Santos

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